Abaixo notícia da Folha de São Paulo.
Pobres perdem duas vezes com a epidemia no México
Suspensão de atividade econômica afeta mais quem não tem salário ou terá o seu cortado
Empresários justificam com lei o desconto de dias parados; dependência de transporte coletivo também significa maior exposição
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO
Na barraquinha para vender roupa de Araceli Días, 33, as vendas já eram quase nulas nesta semana depois da espécie de toque de recolher instalado na capital mexicana para conter a disseminação do vírus da gripe A(H1N1), a gripe suína. Mas foi ontem que ela tomou um susto mesmo, quando a febre da mãe, de 62 anos, passou de 39C.
"Ela já foi atendida, mas estou preocupada. Ela passou muito mal", disse, de máscara cirúrgica, sentada diante do Hospital Naval Militar, no sul da cidade.
A tenda montada pelos militares para receber parentes dos pacientes não estava tão cheia ontem como nos dias anteriores, contou uma das organizadoras. Ainda assim, é certo dizer que uma das maiores aglomerações urbanas do mundo está longe de sair do quadro surrealista em que entrou há uma semana, com a descoberta dos primeiros casos da doença.
Ontem, eram poucas pessoas nas ruas para um ensolarado feriado de 1º de Maio. Sinal de que estava tendo efeito o pedido do presidente mexicano, Felipe Calderón, para que a população de quase 20 milhões de habitantes da região metropolitana ficasse em casa.
Aqui e ali, grupos onde só alguns usavam máscaras cirúrgicas -recomendadas pelas autoridades, mas de eficácia duvidosa, segundo especialistas.
Alguns jovens preferiram colorir as suas, à moda dos competidores de luta-livre, outra paixão nacional mexicana cancelada pela gripe, além dos jogos de futebol com público. Restaurantes e bares estão vetados até pelo menos quarta-feira que vem. Estuda-se adiar a volta das aulas até o dia 11.
Enquanto as TVs mostravam cancelamentos de voos do México para o mundo e vice-versa, relatava-se que, no próprio país, a população da turística Cancún jogara pedras em um ônibus de pessoas vindas da capital, temendo a contaminação.
"Não se pode fazer nada. Ficamos sem turismo internacional", disse ontem o secretário de Turismo, Rodolfo Elizondo.
Informais
No que se tornou uma rotina na semana inédita que a cidade viveu, o secretário da Saúde, José Ángel Córdova, foi à TV na noite de ontem para mais um boletim da gripe. Dos mais de 2.000 casos suspeitos, foram confirmados 397, entre eles 16 mortes (11 delas na capital).
Córdova defendeu a decisão do governo de esticar o feriado até dia 6, quarta, e desencorajar o funcionamento de todos os serviços que não os essenciais.
A medida, porém, era motivo de reclamação para trabalhadores informais da cidade -oficialmente, 34% da população ativa do país está no setor. Como Araceli, que, além da preocupação com a mãe, reclamava dos poucos clientes.
José Guadalupe Fernández, 21, também armava sua barraca de relógios com desânimo no centro. "Se eu não vier aqui, não como", afirma ele, que deixou a mulher e a filha de 3 anos em casa. Fernández, como a maior parte dos que precisam se deslocar na cidade e não tem dinheiro, anda de metrô e de ônibus, onde o risco de contrair a doença é maior.
"Não é razoável pedir que uma pessoa como essa fique em casa, mas é razoável pensar que ela tem o maior risco de se contaminar. Quem tem carro e quem pode trabalhar em casa tem um diferencial. Como sempre acontece neste tipo de epidemia, infelizmente", diz Malaquías López, epidemiologista da Universidade do México.
Para piorar a situação, associações de empresários, já afetados pela crise econômica que começou no vizinho EUA, foram buscar um trecho da legislação trabalhista mexicana para argumentar que não têm de pagar salários pelos dias a mais de feriado. Miguel Marón Manzur, da Câmara Nacional da Indústria de Transformação, disse à agência Notimex que vai sugerir descontar os dias como férias.O mesmo ameaça fazer o setor de restaurantes.
"Ainda que com custos econômicos e até políticos, avalio que o governo felizmente tomou uma decisão drástica. Tínhamos de raciocinar com o pior cenário", diz o jornalista e analista Salvador Camarena.
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