Folha de São Paulo
São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009
Obama retoma juízo militar em Guantánamo
Presidente decide reinstaurar comissões para julgar suspeitos de terrorismo, mas ressalta que melhorou regras de funcionamento
Democrata classificara de "grande fracasso" sistema excepcional instaurado por Bush e suspendera aplicação no seu 1º dia na Casa Branca
O presidente dos EUA, Barack Obama, que classificara na corrida eleitoral as comissões militares de exceção da era Bush como "grande fracasso", anunciou ontem que manterá o sistema, mudando algumas regras para ampliar os direitos de suspeitos de terrorismo.
Grupos de direitos humanos aliados a ele criticaram a decisão, vista como "retrocesso".
Obama suspendera as comissões militares por quatro meses no primeiro dia de governo, para determinar como os julgamentos em curso deveriam prosseguir (o Pentágono vai pedir novo prazo). Na mesma ocasião, ele determinara o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, em 12 meses.
Ontem, porém, ele afirmou em comunicado que as "comissões militares têm uma longa tradição nos EUA" e "são apropriadas para julgar inimigos que violam leis de guerra, desde que sejam bem estruturadas e administradas".
As alterações que Obama quer implementar incluem a inadmissão de informações obtidas em interrogatórios "cruéis, desumanos ou degradantes" e transferem à acusação o ônus de provar que rumores ou discussões de terceiros são críveis o suficiente para serem trazidas ao julgamento.
Além disso, permitem maior flexibilidade para os réus escolherem seus defensores; expandem garantias para os que se negam a testemunhar; e definem que as comissões estabelecerão suas próprias jurisdições.
O texto precisa ainda ser aprovado pelo Congresso.
Segundo a Casa Branca, as comissões continuarão a abrigar julgamentos de alguns dos 241 detidos em Guantánamo.
Mas o governo insiste em que o processo será diferente do usado no governo George W. Bush (2001-2009), quando as comissões se tornaram um dos traços mais criticados da chamada "guerra ao terror".
Elas foram criadas em 2006 para julgar casos excepcionais de suspeitos de terrorismo. Obama admite que votou a favor da existência das comissões em sua forma original, mas diz que objetou firmemente a Lei das Comissões Militares quando Bush a enviou ao Congresso porque "ela falhou em estabelecer um quadro legal legítimo".
Restaurando Bush
Para grupos civis, já irritados com decisões recentes do presidente, as garantias oferecidas ontem não foram suficientes.
"Ao ressuscitar essa ideia fracassada do governo Bush, Obama está retrocedendo perigosamente em sua agenda de reformas", disse Kenneth Roth, diretor da ONG Human Rights Watch. Stacy Sullivan, analista de contraterrorismo do mesmo grupo, disse que "reviver as comissões tiraria muito do significado de fechar Guantánamo".
Advogados constitucionalistas também rejeitaram o argumento de que as comissões podem ser reformadas.
Para Shayana Kadidal, defensor de presos de Guantánamo e membro do Centro para Direitos Constitucionais, de Nova York, as comissões podem servir a interesses de terroristas, que se apresentam como "figuras militares" e suas vítimas como "danos colaterais".
Esses grupos tiveram uma pequena vitória ontem com a libertação do algeriano Lakhdar Boumediene, ex-preso de Guantánamo que foi enviado à França. Ele ficou conhecido quando obteve na Suprema Corte garantia aos detidos em prisões militares de questionar seu confinamento.
Pela retaguarda
Por outro lado, o anúncio de ontem foi um alento para os que temiam que o fim das comissões e o fechamento de Guantánamo facilitasse a soltura de terroristas.
A medida alivia também preocupações sobre a adequação de cortes marciais ou federais para julgar acusados de terrorismo, já que não se sabia ao certo como elas poderiam gerenciar testemunhas, provas e confissões nesses casos.
Mas a dor de cabeça deve continuar. O secretário da Justiça dos EUA, Eric Holder, indicou ontem que as mudanças não resolvem todas as questões e que alguns presos em Guantánamo provavelmente não poderão ser julgados nem nas comissões, nem em cortes marciais nem pela Justiça comum.
Especula-se que o governo pedirá ao Congresso a organização de um tribunal preventivo de detenção para manter presos esses indivíduos -o que deve provocar nova batalha na sociedade americana.
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