O historiador norte-americano Edward N. Luttwak no seu texto "A Roda da Fortuna" no Caderno "Mais" da Folha de São Paulo de 25 de outubro de 2008 tece as seguintes consequências para a atual crise econômica global:
Continuam a existir grandes incertezas, evidentemente, mas algumas conseqüências já se tornaram inevitáveis -e elas se distribuem de maneira muito desigual entre os diferentes países. O que parece mais óbvio é que a nova superestrutura financeira de fundos de hedge, fundos de capital privado, emissores de derivativos e seguradoras de derivativos, que cresceu com tamanha rapidez a partir do início dos anos 1990, será drasticamente reduzida. Muitas empresas estão diminuindo de tamanho, entrando em colapso ou simplesmente fechando as portas, e aquelas que sobreviverem terão receita muito menor e bem menos funcionários. Esse declínio estrutural drástico já começa a afetar o status relativo de diversas grandes cidades do mundo -e o de economias inteiras, com ele. A atividade na "economia real" também está se desacelerando em todo o mundo -o crescimento da China está caindo rapidamente ante o ritmo explosivo de 2007 (que atingiu os 12%), para cerca de 9% neste ano, e é provável que seja inferior a 7% no ano que vem. Fenômeno cíclico A crise financeira está agravando as coisas, mas a desaceleração continua a ser um fenômeno cíclico, de modo que um retorno ao crescimento econômico, ainda que lento, é bastante provável em 2010 nos EUA, com China, Brasil e, por fim, a Europa voltando sucessivamente a acelerar. Mas o mesmo não aplica à superestrutura financeira -ela não tem esperança de recuperação em 2010 ou, mesmo, em 2015, aliás. Boa parte dela simplesmente desaparecerá, com todas as rendas que gerava. No entanto teremos uma queda desproporcional. Os fundos de hedge, concentrados em Londres e Nova York, devem encolher muito mais do que as empresas de capital privado, espalhadas do Texas à Suécia, mas menos do que a emissão e o seguro de derivativos, atividades concentradas em Nova York. Estas não desaparecerão, porém, porque continua a haver demanda por instrumentos para compartilhar riscos, por exemplo de parte das companhias aéreas, que desejam garantir preços previsíveis para os combustíveis. Londres sofrerá a maior perda relativa em termos de atividade econômica total, entre as grandes cidades, porque seu setor financeiro é desproporcionalmente grande, e as receitas que ele propicia, ainda maiores, como proporção do total de receitas geradas na cidade. Todos os "efeitos multiplicadores" resultantes agora estão se revertendo, já que setores de serviços relacionados também caem -de atividades como escritórios de advocacia e restaurantes finos à British Airways (cujos lucros dependiam de tal modo das viagens de classe executiva e primeira classe que agora sua capitalização se reduziu a apenas 3 bilhões!). A demanda por imóveis comerciais em Londres também cairá na mesma proporção à medida que empresas financeiras cancelam contratos de locação, deixam de pagar aluguéis, negociam reduções ou simplesmente desaparecem. Depois será a vez de setores de serviços relacionados, o que resultará em grande índice de desocupação de escritórios em Londres. O mercado de residências de alto padrão da cidade, que já estava fraco antes da crise -como parte do declínio mundial nos preços de imóveis, que causou a crise financeira, para começar-, está em queda acentuada, igualmente, ainda mais porque Londres havia atraído operadores financeiros e trabalhadores de todo o mundo, muitos dos quais agora retornarão a seus países. A crise de Londres deve afetar o Reino Unido como um todo, porque a economia do país é de longe aquela em que o setor financeiro tem mais peso, entre as grandes economias, em proporção muito maior do que no caso da economia dos EUA, para não mencionar França, Alemanha, Itália ou Japão -em parte devido às políticas de "libra forte", que favoreciam os setores financeiros enquanto danificavam as indústrias de exportação do país. Além disso, os talentos de gestão britânicos foram absorvidos pela City de maneira desproporcional, o que erodiu ainda mais a competitividade da indústria britânica, a despeito dos custos de mão-de-obra relativamente baixos e do mercado de trabalho mais fluido da Europa. Ainda que o primeiro-ministro britânico [o trabalhista Gordon Brown] seja o herói do momento, a queda de Londres como centro financeiro decerto reduzirá a influência britânica na União Européia, especialmente se comparada à da Alemanha, um país onde as finanças têm importância bem menor e cujo setor de exportação continua a não ter rivais. A França permanecerá mais ou menos onde está, e a Itália pode ganhar influência, partindo de sua posição bastante baixa (devido ao processo decisório caótico no país, os italianos não exercem muita influência, apesar de sua considerável capacidade econômica). Por outro lado, devido à peculiar dependência italiana da exportação de produtos de luxo (Prada etc.), o declínio cíclico da economia real provavelmente será muito severo. Em menor dimensão, outras economias nas quais as finanças têm papel importante também sofrerão, especialmente a da Holanda, bem como as dos microestados que servem de refúgio a capitais (Luxemburgo, Mônaco etc.). A exceção será a Suíça, porque a maioria de seus bancos manteve o foco na gestão de ativos, uma atividade conservadora (e muito dispendiosa), em lugar de investir em novas funções. Quanto aos EUA, a redução estrutural da superestrutura financeira certamente deprimirá em medida significativa a economia na região de Nova York, com efeitos multiplicadores semelhantes aos de Londres e que se estenderão por alguns anos. Mas o impacto nacional será menor do que no caso britânico, porque a superestrutura financeira dos EUA é relativamente menor, em comparação com a "economia real", e a estrutura financeira tradicional de bancos comerciais e de mercados de títulos de dívida e ações em breve se recuperará -ainda que os preços das ações não devam fazê-lo. Declínio relativo dos EUA Quanto ao impacto sobre a influência dos EUA na política mundial, seria possível argumentar persuasivamente que a morte do Lehman Brothers e do Smith Barney e a perda de estatura do Goldman Sachs e do Morgan Stanley superam o sucesso militar tardio no Iraque ou a notável capacidade dos EUA de convencerem os aliados europeus a combater no Afeganistão. Por outro lado, a própria crise serviu para reafirmar a liderança norte-americana, porque os demais países europeus só acataram a solução britânica de injetar fundos estatais diretamente nos bancos quando o governo de George W. Bush também aceitou esse remédio sem precedentes. Em teoria, os europeus poderiam ter concordado quanto a uma solução própria e tê-la oferecido aos norte-americanos, para que a aceitassem ou rejeitassem sem negociação. Na prática, muitos países europeus, entre eles a Alemanha, recusaram a solução britânica até que esta fosse aceita plenamente também pelos EUA. Não existe dúvida de que a crise financeira reduziu o prestígio norte-americano e também a influência econômica do país, em termos absolutos. Mas influência política é sempre relativa, no cenário político mundial, e uma perda absoluta de força só se torna real caso haja outros contendores capazes de ganhar influência como resultado. Com a Rússia experimentando declínios ainda maiores que os dos EUA em seus mercados financeiros e Bolsas de Valores e também sofrendo quedas de receita como exportadora de commodities, o país certamente não conseguirá substituir a influência norte-americana no mundo. O risco da China A China, em contraste, dispõe do equivalente a US$ 1,3 trilhão em reservas cambiais, e poderia investir ainda mais na extração de matérias-primas e em grandes projetos de infra-estrutura na África, América Latina e em outras partes do mundo, reforçando sua presença e influência em um momento no qual a competição ocidental no financiamento e trabalho de engenharia de grandes projetos certamente declinará. Mas, com a queda nos preços das commodities e uma lista cada vez maior de projetos sem lucratividade, a China não tem incentivo econômico para continuar nesse rumo. Na verdade, a estratégia de tomar o controle de matérias-primas sempre funcionou mal (os suíços não têm poços de petróleo, mas sempre dispõem de todo o petróleo de que precisam), como o Japão aprendeu muito tempo atrás, e isso pode valer ainda mais agora que os valores dos imóveis estão caindo e a economia está em desaceleração na China propriamente dita. Japão, Rússia, Brasil Em termos de influência política, a China certamente conquistou muita, mas também despertou novas resistências, porque é cada vez mais vista como exportadora "neocolonialista" de produtos industrializados, importando apenas matérias-primas da África e da América Latina. Em teoria, este é o momento em que o Japão (bem como a China, e também, em certa medida, Taiwan, Cingapura e Coréia do Sul) poderia converter suas posições de títulos do Tesouro norte-americano e outros instrumentos denominados em dólares em propriedade de imóveis depreciados e empresas desvalorizadas. Ao valor de mercado atual de US$ 3,6 bilhões, até mesmo um fundo de pensão japonês de segunda linha poderia tomar o controle da General Motors, e nem mesmo GE, IBM, Google e Microsoft estariam fora do alcance dos recursos japoneses. Em tese, o Japão (e outros países) poderia adquirir tudo isso e muito mais, ganhando a influência que a propriedade confere. Mas é improvável que isso venha a acontecer, não apenas devido à cautela dos investidores mas também porque certamente haveria resistência, em diversas frentes, a aquisições muito grandes e de alta visibilidade. Por fim, existe o impacto da crise sobre exportadores de commodities como Brasil, Rússia e os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). É ainda mais um processo bastante assimétrico. Como exportador altamente diversificado de todo tipo de bens -de aviões e metais ferrosos a soja, de que é líder mundial, passando por carne bovina, suco de laranja, café e muitas outras coisas-, o Brasil vem sendo atingido em todas essas frentes, mas de maneira não muito severa. O país sofrerá uma desaceleração cíclica, como sua Bolsa já antecipou ao perder metade de sua capitalização desde junho, mas isso é tudo, e uma forte recuperação é certa. As coisas são muito piores para a Rússia, que depende de uma lista muito mais curta de matérias-primas exportáveis, especialmente o petróleo, cujo preço está caindo para a faixa dos US$ 70 por barril, o dobro do que valia em 2000, mas metade das alturas atingidas no ano passado, em lugar do preço de US$ 250 que Alexei Miller, da Gazprom, projetava alguns meses atrás. É por isso que a Bolsa de Moscou perdeu 60% de sua capitalização em dois meses. Quanto aos exportadores de petróleo, o mais forte impacto será sentido pela Venezuela, porque parcela tão grande de sua receita petroleira foi desperdiçada em empreitadas tolas. O Irã terá sua receita em moeda forte reduzida para menos que o nível necessário para manter um orçamento estável, e o mesmo vale para Arábia Saudita e Nigéria, enquanto em Dubai a bolha imobiliária está para estourar. Os mercados de ações do Golfo Pérsico entraram todos em colapso, mas ninguém passará fome ou começará a atacar o governo, como bem pode acontecer na Venezuela e no Irã, países em que a população mais pobre já vive sob o ataque da alta inflação.
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6 comentários:
Dividir o texto em parágrafos menores é uma excelente idéia.
giovanni
Concordo c Gigio...Nada melhor que paragrafos!!
xD realmente paragrafos foram inventados por alguma razao
mesmo . por alma de quem se consegue ler um texto assim ? xD
[b][i]realmente o texto parece ser mais interessante quando se tem paragrafos!nem deu vontade de ler^^
também acho...
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