Inicialmente retratando-me por ser extremamente complexo fazer a análise do resumo de um informativo do voto do ministro Eros Grau em que toda a sua argumentação só será apresentada no voto final junto com as apreciações e comentários dos outros ministros, coloco-me aqui com o objetivo de fazer um breve comentário deste resumo. Trata-se de um resumo do voto do ministro, que tem um conteúdo bastante amplo, onde vou me ater a fazer uma análise inicial para depois fazer algumas considerações. O ponto do voto, disponível no site do STF no informativo 522, é o ponto 15, descrito quase que integralmente na postagem que segue abaixo no blog com o resumo do voto. Não será logicamente possível aprofundar os temas nem os autores como deveria ser feito, visto o curto espaço, porém tenho a meta de tentar analisar este voto de maneira mais aprofundada.
O voto se assemelha em diversos aspectos com a decisão proferida na ADI 2240-7/BA, pois novamente o ministro fez a consideração de que neste caso concreto estaríamos diante de uma situação de exceção, que justificaria a aplicação da teoria do estado de exceção tornando real a suspensão do direito visando a sua posterior reaplicação, criando o vazio jurídico indicado e denunciado por Giorgio Agamben. A zona de indiferença criada entre a desaplicação e a reaplicação do direito em questão é gerada por essa exceção. Para Schmitt, a exceção é aquilo que não se pode reportar, pois subtrai-se à hipótese geral. A exceção configura uma exclusão, um caso singular excluído da norma geral. A caracterização própria da exceção, segundo Agamben, é que aquilo que é excluído não está, por causa disto, absolutamente fora da relação com a norma. Ao contrário deste raciocínio, a norma mantém sua relação com a exceção na forma da suspensão. Não é uma questão de fato nem de direito, e sim institui entre estas um paradoxal limiar de indiferença que demonstra a proximidade entre a política e o direito. Configura o estado de exceção a franja ambígua e incerta, na interseção entre o jurídico e o político, sendo fruto de momentos de crise política onde a autoridade política atua instituindo medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no âmbito do direito por estarem direta ou indiretamente ligadas à sua suspensão.
Uma diferença entre os 2 votos reside que a justificativa que Eros usou para configurar a exceção na ADI 2240-7 foi o conceito de “força normativa dos fatos” trazido de Jellinek. No caso em questão o ministro foca no termo “peculiaridades do caso concreto” para configurar a referida exceção que ensejaria a desaplicação da norma. Na ADI 2240 o ministro utiliza-se do princípio federativo para justificar a aplicação da teoria, enquanto que no HC 94916 o ministro manteve sua linha argumentativa baseada no princípio da dignidade da pessoa humana.
O ministro coloca que a regra diz ser incabível a liberdade provisória no caso de tráfico ilícito de entorpecentes, porém esta seria para o mesmo uma situação de exceção. Após configurar a situação como sendo de exceção o ministro faz a consideração de que a exceção é o caso que não cabe no âmbito da normalidade abrangido pela norma geral, e expõe uma linha argumentativa no parágrafo em questão baseada em Carl Schmitt e Santi Romano. O ministro faz citações próximas a Schmitt quando trata das relações entre norma e exceção, tratando que a norma geral deixaria de ser geral se contemplasse as situações de exceção. Aproxima-se de Santi Romano e sua teoria da necessidade como fonte jurídica originária quando coloca que a exceção estaria nos textos jurídicos, só que não seria possível ou viável traduzir em palavras a necessidade que daria sustentação à própria função do Estado.
O sexto parágrafo do ponto 15 começa com uma frase de influência de Santi Romano ao caracterizar a inserção do estado de exceção dentro do ordenamento por meio da necessidade. No decorrer do mesmo parágrafo, o ministro faz citação praticamente literal de Agamben, em sua obra Homo Sacer. Utiliza-se de citação praticamente literal do ponto 30 de seu voto na ADI 2240-7. Prossegue fazendo a citação da própria ADI 2240 e da Reclamação 3034, configurando a utilização de seu voto nos 2 casos concretos como precedente.
Trata após o referido parágrafo de que este é um caso de exceção onde o princípio da dignidade da pessoa humana se sobreporia a aplicação da norma no caso concreto.
Após essas considerações e das configurações de que esta seria uma situação de exceção, o ministro começa a tratar do Estado como ente político. Vale lembrar da distinção entre Estado como ente político e estado de exceção, este como categoria da teoria política a qual Agamben faz a denúncia de estar se tornando um mecanismo utilizado constantemente pela política contemporânea, inclusive nas democracias.
Ao tratar do Estado, o ministro comenta em sentido extremamente interessante o fato de a prisão preventiva do paciente seria um exercício de autêntica vingança por parte do Estado. Aproxima-se da argumentação de Michel Foucault em “A verdade e as formas jurídicas” quando o autor francês trata do surgimento do inquérito e de infração, não mais como sendo uma infração ou violação do direito de outrem, mas sim de um ataque à própria lei. A infração nesse momento passa a ser uma lesão ou ofensa de um indivíduo à ordem, à lei e ao soberano. O espaço temporal que Foucault toma é o Século XII, onde a violação nesse momento é ao soberano, porém passa a ser ao Estado no Século XVII com o surgimento do que conhecemos como o Estado moderno. O poder estatal, para Foucault, passa a confiscar todo o procedimento judiciário, como instrumento de realização do poder. Essa apropriação do poder por parte do Estado e sua relação com o procedimento judiciário é extremamente bem trabalhado também por autores como Eugenio Raul Zaffaroni, Nilo Batista e Aury Lopes Jr.
Explica-se após esse parágrafo que esse Estado é composto por antagonismos e conflituosidades, onde a sociedade civil, suprassumida pela influência do Estado na concepção de Hegel, não encontra a sua realização na modernidade. Nessa lógica, intervém o Estado nas relações como mediador, visando a construção do que chama de paz burguesa, utilizando-se do direito como método mediador, o que a rigor não consubstanciaria uma mediação efetiva, mas uma justaposição conflitante. Analisa-se, em minha concepção, o simbolismo do Direito Penal como mecanismo gerenciador da conflituosidade social.
O ministro, nos parágrafos subseqüentes, trata exatamente dessa relação do Estado com a sociedade civil tomando como marco teórico a análise de Marx/Engels para fazer a crítica da visão hegeliana de Estado. Este Estado passaria a ser apropriado pela burguesia, tornando-se assim um Estado que visa o interesse de uma classe específica, materializado no monopólio da violência e da tributação, utilizando-se de um racionalismo teórico burguês.
Faz no parágrafo posterior análise do sentimento vingativo que se encontra no interior da sociedade contemporânea. Explica a utilização do termo vingança para demonstrar que o fato de haver um clamor para colocar uma pessoa em condições brutais, como as presentes na prisão, só pode ser representado por um sentimento de vingança. A sociedade, frustrada de uma série de questões, enxergaria naquela punição momentânea uma ilusão de satisfação. Pessoa essa, que no caso concreto trata-se de uma mulher doente e com uma filha para criar.
Conclui seu voto reafirmando o fato de que cabe ao Supremo efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo que com isso haja a suspensão temporária de uma regra.
Acredito que o referido voto merece análise profunda pelo fato de o ministro recorrer novamente à teoria do estado de exceção para justificar seu voto em padrão que provavelmente se repetirá em decisões complexas. O ministro ao utilizar a teoria do estado de exceção deixa clara a análise política que faz do caso, que às vezes é maquiada de formas múltiplas e sob diversos nomes. No voto completo acredito que o mesmo retornará à suas críticas interpostas à Kant na ADI 2240, só que no caso em questão fazendo um paralelo com críticas a Hegel reforçando sua análise argumentativa que dialoga com Marx. É preciso verificar a reação do ministro Gilmar Mendes ao caso, para saber se seguirá o padrão da ADI 2240.
A decisão do ministro rompeu com uma série de paradigmas do próprio STF, e retoma uma série de discussões dentro de uma mesma decisão. A aplicação da teoria do estado de exceção hoje pelo ministro Eros Grau foi para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana e de forma libertária, a questão é que a mesma política de suspensão do direito em outros casos pode gerar desdobramentos perigosos.
Schmitt coloca que: “soberano é quem decide sobre o estado de exceção”.
A questão a ser levantada é: a quem cabe decidir sobre as situações?
Rafael Vieira
Disponibilizo meu email para o caso de algum tema não ter ficado claro ou para que se façam críticas ou considerações:
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Um comentário:
Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu
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