quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O pai do Consenso de Washington e a crise do capitalismo

A "Folha de São Paulo" de 14 de outubro de 2008 traz entrevista do pai do Consenso de Washington sobre a crise do capitalismo.

"Recessão nos EUA é inevitável", afirma "pai" do Consenso de Washington
DO ENVIADO A WASHINGTON
O economista britânico John Williamson, 71, criador do termo Consenso de Washington, diz ser inevitável uma recessão nos Estados Unidos.Ele afirma que ficará "surpreso" se o nível de desemprego nacional (de 6,1%) não superar os 7,7% registrados na Califórnia, Estado onde os efeitos do estouro da bolha imobiliária foram sentidos bem antes do que no resto do país."O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há vários anos", afirma Williamson ao se referir ao forte endividamento das famílias e dos bancos, e que agora atingirá o governo para resgatar o sistema.O Consenso de Washington designava uma série de recomendações liberais dos principais órgãos financeiros dos Estados Unidos para os países latino-americanos. Foi criado por Williamson em novembro de 1989, durante um seminário na capital norte-americana. Leia a entrevista à Folha. (FERNANDO CANZIAN)

FOLHA - O sr. acredita que os Estados Unidos estejam mesmo a caminho de uma recessão? A expectativa é que o consumo caia fortemente em função do grande endividamento das famílias e dos bancos, não?JOHN WILLIAMSON - Creio que seja absolutamente inevitável uma recessão. O que não sabemos ainda é se será uma forte e rápida recessão, ou alguma coisa bem mais prolongada. Eu ainda estou otimista em acreditar que ela será forte e curta.Mas o fato é que ninguém consegue prever isso direito agora.Espero que as medidas que vêm sendo tomadas neste momento pelos bancos centrais de todo o mundo confirmem minha previsão.
FOLHA - A Califórnia foi o primeiro Estado dos Estados Unidos a passar pela bolha imobiliária e onde ela também explodiu primeiro. A taxa de desemprego lá hoje é de 7,7%, bem acima da média nacional, de 6,6%. Essa pode ser a realidade para todo o país daqui a algum tempo? WILLIAMSON - Sim, acredito nisso. Ficarei até muito surpreso se o nível de desemprego geral não ficar ainda acima de 7,7%.Creio que muitos Estados já estão seguindo o mesmo caminho da Califórnia em vários aspectos, não apenas no que se refere ao desemprego (assim como o Estado da Costa Oeste norte-americana, vários outros têm anunciado dificuldades no Orçamento e para refinanciar suas dívidas).
FOLHA - Como o sr. avalia as medidas que o Fed [o banco central norte-americano] e o Tesouro estão tomando? Na prática, vão acabar aumentando a dívida pública e o déficit do país. Além das famílias e dos bancos, é o governo quem se endivida agora. Quais as conseqüências?WILLIAMSON - O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há anos. E acho que isso vai mudar. Nunca o país viu uma mudança e uma alteração tão grande na situação financeira das famílias como nos últimos dois meses, e isso já está impactando no consumo e na economia como um todo. É o início de uma tendência que vai se aprofundar mais para frente. O governo, por seu lado, agora vai mais fundo ainda no endividamento. Mas isso é para salvar as coisas no curto prazo, pois tem de haver uma determinação de que o endividamento não se torne algo permanente. As pessoas que vão pagar essa conta serão as pessoas que têm o dinheiro. Assumindo que [Barack] Obama seja eleito em novembro, e esse parece ser o cenário mais provável hoje, creio que ele irá promover um forte aumento de impostos sobre os mais ricos e pessoas que ganham muito, e o número deles e seus rendimentos aumentaram rapidamente nos últimos anos.
FOLHA - O sr. vê o risco de os Estados Unidos serem obrigados a elevar os juros para atrair o dinheiro que financiará todo esse resgate, piorando a recessão?WILLIAMSON - No curto prazo as taxas de juros tendem a cair, pois há uma fuga de capitais em direção à segurança (o que acaba empurrando para baixo a remuneração dos títulos do Tesouro). Depois, o Fed terá de avaliar melhor a situação. Mas creio que o maior incentivo para colocar ou não dinheiro nos Estados Unidos virá da taxa de câmbio, e ele não será grande, pois o dólar tende a continuar muito fraco.
FOLHA - O presidente George W. Bush foi sábado à reunião do G20, no FMI, pela primeira vez. O sr. diria que ele foi atrás das reservas de US$ 9 trilhões dos emergentes?WILLIAMSON - Foi um reconhecimento do governo americano de que o país precisa de uma resposta global a esse problema. Mas... sim.

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