O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve no Brasil no início da semana para promover o lançamento de seu novo livro, “A visão em paralaxe”, pela Editora Boitempo, e proferiu palestra extremamente interessante no Salão Pedro Calmon, na Faculdade de Economia da UFRJ, na praia Vermelha.
O tema principal do trabalho de Zizek na atualidade é a ideologia, retomando alguns pontos de outro livro de sua autoria, chamado “O mapa da Ideologia”. Zizek toma como referencial teórico Lacan e Marx.
A ideologia se baseia em sua análise em como justificar e dar um ar de verdade a uma mentira, pois a ordem pública da sociedade contemporânea precisa de uma mentira para se justificar. Você não precisaria acreditar na ideologia, mas assim essa ideologia se mantém e se reproduz. Para ele, quando formos perguntar a um outro sujeito se ele acredita em determinada instituição da sociedade ele provavelmente dirá que não, mas que ele acredita que os outros acreditem que essa instituição funcione, então ele mantém uma crença ainda nessa instituição, mesmo sem acreditar nela ou tendo sérias dúvidas de seu funcionamento. O problema para ele, é que as instituições no capitalismo contemporâneo estão falidas e ninguém na prática acredita nelas, só que achamos que o outro acredita, o que não é verdade. Há uma espécie de construção coletiva de mentira. Zizek aponta que uma crença acaba por funcionar, mesmo que ninguém acredite na origem dessa crença. Há um fenômeno que ele indica como sendo de interpassividade, pois o outro acredita naquilo por mim, já que eu não acredito. Haveria um pacto no sentido de “vamos fingir que as regras funcionam”.
Para ele, a principal crença que se estabelece sobre a atual forma de vida é: “Não pense, consuma, obedeça e acredite”. Esse seria o foco do comando ideológico implícito, reforçado pela própria publicidade de massa, que traria efeitos ideológicos intersubjetivos. Viveríamos em uma era pós-ideológica em que essa ideologia se manifesta no seio da sociedade, mas as pessoas acham que ela não existe, não haveria discussão sobre isso.
Poderíamos, para ele, desenvolver uma teoria do capitalismo baseada na publicidade, baseado em um dos desdobramentos do capitalismo atual, o capitalismo consumista. Para ele, o estudo do passar dos anos da publicidade de massa é um indício para mapear ideológicamente o que se passa na sociedade. Ele toma então um exemplo:
Em 1960, a propaganda de um jipe Land Rover seria: Compre um Jipe Land Rover, ele tem determinadas qualidades.
Em 1970, a mesma propaganda viria a substituir a idéia de qualidade pela de status. Compre um jipe Land Rover que os outros terão inveja de você.
Hoje em dia a propaganda é: Você se sente oprimido na sociedade moderna? Com o Land Rover você pode explorar o campo e ser livre, fugindo dessa barbárie da cidade.
Hoje em dia, você desejaria que sua vida tivesse algum significado, e para isso você consome. O capitalismo atual explora isso em você, principalmente com propaganda à respeito da natureza, do tipo: Compre o Hambúrguer que 5% do lucro será revestido para o financiamento ao reflorestamento. Compre um café Starbucks que 5% do lucro vai para as crianças da Guatemala. Você passaria com isso a querer dar algum significado à sua vida.
O capitalismo contemporâneo, para Zizek, é o capitalismo ideológico, e a política desse capitalismo é a despolitização para que não haja mais uma ideologia clara. A ideologia é a ideologia da diversão: Viva a vida, aproveite o hoje, Carpe Diem. Para tal constatação usa um conceito de Lacan chamado o gozo excedente, um gozo que suborna.
Para Zizek a ideologia mascara o real problema, usa a maneira errada para lidar com os problemas criados.
Ele diz que esse fenômeno se manifesta tanto na ecologia quanto na questão da tolerância, que é um dos problemas principais da sociedade européia. Zizek fala que quando se analisam os discursos de Martin Luther King, para ele um homem genial, o mesmo nunca fala de tolerância, ele fala de direitos iguais. O foco é respeite o outro que tem direitos iguais a você. O problema atual é que no que diz respeito à tolerância, é desviada a atenção da concessão de direitos iguais para a discussão da tolerância e do entender o outro.
Zizek termina com esses apontamentos na palestra e a mesma é aberta para perguntas, onde Zizek faz análises sobre a crise americana. Para ele, um dos pontos principais é: A noção de Marx de economia política precisa voltar à tona. O mercado é sustentado pela política, então precisamos em resposta descobrir o véu em acreditar que a economia não tem relação com a política. Precisamos em resposta a isso, politizar a economia. Há um paradoxo em que é passada uma noção apolítica para a sociedade, de como é besteira discutir política, e em cada ato nosso estamos legitimando e fazendo parte de uma política, mesmo sem perceber. Isso é a ideologia do capitalismo contemporâneo. Os Estados apropriam-se dos impostos do povo para a concessão de benefícios ao capital privado e aos bancos. Precisamos politizar essa relação. A democracia não é chamada para decidir as questões econômicas principais relativas ao dia-a-dia. Essas decisões são tomadas em Nova York, ou em outra capital. Zizek comenta que acha bastante interessante algumas questões que Michael Hardt e Antonio Negri trazem em seus livros, mas que discorda que possa haver democracia em uma sociedade em que a Multidão é auto-regulatória. Para ele, para que se garanta a democracia sem que essa sofra influências das decisões de mercado, ou da desigualdade entre os cidadãos é preciso um Estado sólido. Não um Estado Total, nos modelos schmittianos ou etc. Mas a reinvenção do papel do Estado para que este realmente garanta a democracia, ou caso contrário, o mesmo acha que em 20 ou 30 anos estaremos vivendo em um apartheid novamente, só que um apartheid remodelado.
Trata-se de um resumo da palestra proferida na segunda-feira às 20:00.
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